ENTREVISTA

Mais de 1000 sismos por ano em Portugal é a contabilidade do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), mas nem por isso somos um dos países que mais sofre com este fenómeno da Natureza. No entanto, há fatores de risco a ter em conta. A maior fatia da população nacional reside nas zonas costeiras, onde se encontra mais exposta e vulnerável. Para além disso, Portugal é atravessado por duas falhas sísmicas, fazendo-nos um país de risco e propenso a sismos de grande magnitude.

Fomos falar com os especialistas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES) e do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), para ficarmos a perceber um pouco melhor o que realmente está em jogo e qual a relevância que deve ser dada a este tema, por parte dos consumidores. 


Ao comprar casa nova

Qual a importância que se deve dar a este tipo de fenómenos quando se procura uma nova habitação ou local onde residir?

Todo o trabalho que seja de aumentar a perceção de risco das populações é absolutamente fundamental. No caso das catástrofes naturais, temos a noção de que isso é ainda mais importante porque não há, por parte das populações, uma ideia formada em relação a estes fenómenos, o que são e onde podem acontecer. Essa fraca perceção, faz com que exista uma grande aversão a este tema. Ou seja, quando acontece alguma coisa as pessoas acham que foi porque algo estava mal feito ou mal construído, que alguém é culpado. Estão dispostas, inclusivamente, a pagar mais do que nós pensamos e do que é necessário, para se sentirem seguras e sem preocupações.

A segurança estrutural é um direito que deve ser considerado tão importante como respirar, e deve ser igual para qualquer tipo de habitação. Não é, no entanto, o que se verifica. Por isso é de suma importância que as populações estejam bem informadas sobre estes fenómenos, essencialmente quando procuram uma nova habitação. Não estando salvaguardado o direito da segurança estrutural, é importantíssimo que a população tenha consciência do fenómeno sísmico na região onde vive ou pretende viver e se a habitação que vai adquirir pode ser considerada “segura” do ponto de vista sísmico.

Quais as questões que se devem ter em conta e que se podem colocar ao construtor/vendedor de uma habitação antes do ato da compra? Ou seja, o que devem as pessoas pedir para ficarem a saber se a construção tem elementos antissísmicos e se não estão a comprar gato por lebre?

Deve-se pedir sempre os elementos do projeto e verificar se os mesmos contemplam a análise sísmica do edifício. Esta verificação aparece, normalmente, referenciada na memória descritiva e nas peças desenhadas do projeto de estruturas. Não devem acreditar quando o vendedor afirma que o edifício é antissísmico, a maior parte das vezes esta afirmação não é verdadeira. Nestes casos deveria haver uma certificação sísmica do edifício, passada por uma entidade competente, que comprovasse que o edifício foi devidamente verificado à ação sísmica regulamentar..

O projeto de estruturas de um edifício tem de ser assinado por um técnico habilitado para o efeito, normalmente um engenheiro inscrito na ordem dos engenheiros.

A legislação atual não dá competências às Câmaras para colocar dúvidas sobre a idoneidade do técnico que assina o projeto, é preciso é que exista no processo um termo de responsabilidade assinado pelo técnico. A discussão que se coloca é se esse técnico tem competências para elaborar determinados tipos de projeto, nomeadamente os referidos anteriormente, em zonas de risco sísmico elevado.

Construção dentro da lei

A construção de hoje em dia segue os códigos estipulados para a resistência sísmica?

A maior parte dos projetos refere nas memórias descritivas que foi respeitada a regulamentação em vigor, nomeadamente no que se refere à análise sísmica dos edifícios. Se depois o projeto é elaborado respeitando a regulamentação é outra questão. A construção deverá respeitar o projeto e a obra deverá ser construída em conformidade com o que está projetado. A realidade é que grande parte dos projetos que são elaborados não respeitam a regulamentação em vigor, no que se refere ao dimensionamento sísmico e as obras não são devidamente controladas de modo a que o que é efetivamente construído corresponda ao que foi projetado.

Não podemos esquecer que as câmaras municipais que poderiam atestar o que o engenheiro colocou no projeto, não podem, por lei, exercer essa função, sendo o engenheiro projetista o único responsável. Ou seja, a responsabilidade do projeto depende apenas do técnico que executa o projeto e a execução da obra depende essencialmente do construtor, embora possam ter um papel mais ou menos ativo os diversos técnicos envolvidos na mesma.

Em algumas obras, mais importantes, aparece a figura da revisão de projeto, e nestes casos existe uma outra entidade, normalmente privada, que faz a revisão do projeto, verificando o projeto ao pormenor e atestando que está devidamente executado. É este procedimento que deveria ser seguido em muitas das construções, pela sua importância ou pela sua localização, ou pelo seu valor patrimonial.

A falta de noção do risco sísmico efetivo que existe em Portugal leva a que muitos engenheiros projetistas não tenham noção da responsabilidade que estão a assumir, bem como os construtores e a sociedade em geral. Por isso consideramos fundamental a existência da certificação sísmica do edifício e da construção, a exemplo do que existe hoje para a certificação energética. Só assim é que a população portuguesa poderá ter a certeza de que quando compra um imóvel e lhe é passado um certificado que atesta que o edifício tem uma determinada classe, poderá ter noção do que efetivamente está a comprar.

Esta questão levanta um problema de fundo que é a classe do edifício. Isto é, a população em geral deve saber até que nível de ação sísmica o edifício que está a comprar resiste (neste caso poderá estar a comprar apenas uma fração). Mas consideramos isto fundamental, só assim se poderá evitar no futuro que um consumidor esteja a comprar gato por lebre.

E hoje em dia, ainda sem a certificação sísmica, existe fiscalização específica para as regras ou requisitos antissísmicos? Quem é a entidade responsável por essa fiscalização? É eficaz?

A fiscalização existe, isso é uma realidade, mas se é de facto efetiva, existem muitas dúvidas. Mais, existem também algumas questões em relação à qualidade dos próprios projetos.

Uma boa parte da comunidade técnica tem o conhecimento necessário para executar de forma adequada os projetos, mas existe muita pressão para construir noutros moldes, para poupar naquilo que, às vezes, nem é o mais importante nem o que mais pesa na própria construção, a estrutura.

Se a estrutura é mais ou menos 1/3 da construção, o facto de se conferir resistência sísmica ou não, representa muito pouco no valor final da obra. Por isso, não existem razões para não se cumprirem as normas estabelecidas.

A fiscalização é feita nas obras, por empresas de fiscalização dos próprios empreendimentos, mas hoje em dia têm mais uma função de gestão do que propriamente de fiscalização. Esta responsabilidade está diluída entre o projetista e a fiscalização, por isso é fundamental que se certifique a construção. As câmaras não fiscalizam as obras que são construídas, a não ser as obras municipais e mesmo nessas, a maior parte das vezes, a vistoria não é a mais adequada. 

Nestes casos, e em especial em algumas obras públicas de grande dimensão, todo o processo funciona melhor porque está em jogo o interesse público e o risco é maior. É importante perceber que uma coisa são as obras públicas e outra são as obras privadas. Numas existe a responsabilidade social e noutras a individual.

Vantagens nos seguros

Também fará sentido aos seguros pedir essa certificação, quando e se existir?

Não temos a mínima dúvida de que esta certificação é de primordial importância para os seguros, uma vez que o prémio deverá traduzir a classe do edifício, ao mesmo tempo que terá de ter em conta o risco sísmico do mesmo. Esse risco sísmico depende da perigosidade sísmica (local, terreno de fundação do edifício, etc), da vulnerabilidade sísmica (ligada ao sistema construtivo e ao tipo de edifício) e da exposição (ou seja, do número de pessoas que podem ser afetadas pelo fenómeno).

Por exemplo, com a implementação desta certificação as seguradoras poderão passar a fazer uma maior discriminação no que diz respeito aos prémios. O que se verifica hoje em dia, é que estas fazem uma espécie de média, consoante o tipo de prédio. Portanto, o facto de passarem a saber tecnicamente qual a vulnerabilidade de um edifício e calcularem o prémio com base nesses dados, seria fantástico.

Por outro lado, também os consumidores iriam beneficiar, obtendo prémios de seguros mais justos, ajustados à sua realidade. Descubra mais sobre a cobertura de fenómenos sísmicos nos seguros multirriscos habitação e condomínio, lendo o nosso texto "Tremores de terra: está protegido dentro da sua casa?".

Campanhas de informação

Acha que essa política de prevenção e de comunicação tem passado para o público em geral?

Sinceramente achamos que alguma coisa tem melhorado, mas essencialmente em termos de perceção de risco. As pessoas hoje em dia estão mais conscientes. Até porque a comunicação de massa, as televisões e os sismos lá fora entram pela nossa casa, mesmo que não queiramos. Existe uma maior exposição à escala global do que acontece no mundo e isso alerta mais as pessoas.

Contudo, em termos de perigosidade sísmica, a perceção é a mesma de há 50 anos atrás. A sociedade cresce, faz-se mais ocupação do território, especialmente junto da costa, aumentando os níveis de perigosidade.

Ou seja, a perigosidade calcula-se com base em probabilidades que envolvem todos os eventos que podem ocorrer ou ocorreram no passado, no presente e previsões futuras. Tem a ver com a propagação da energia dos sismos, desde a fonte até ao local, com as suas incertezas e as caraterísticas do solo.

Já o risco sísmico tem a ver com o comportamento estrutural das construções e da ocupação que se faz das mesmas pela população. Por exemplo, quando se reabilita um edifício abandonado estamos a aumentar o risco, porque mantemos a perigosidade (está no mesmo local, sujeito ao mesmo nível de ação sísmica), a vulnerabilidade (não se pode diminuir a vulnerabilidade quando se reabilita um edifício, de acordo com a regulamentação atual) e aumentamos a exposição, com a ocupação do edifício por várias famílias.

A nível político, têm conseguido passar essa mensagem?

Tem sido feito um esforço pela Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica (SPES),da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Arquitetos no sentido de sensibilizar os políticos para a importância deste assunto. Houve uma apresentação de recomendação de lei no parlamento, que foi também encaminhada para Bruxelas. No entanto, ainda não houve uma resolução.

Tem que se alertar para a problemática do risco sísmico em Portugal e para a responsabilização da classe política no caso de ocorrência de um sismo. Para a economia portuguesa será um desastre. Daí a importância de se conhecer bem o parque construído e o risco sísmico associado. A sensibilização da classe política para este assunto é muito importante.

Quais as zonas de risco?

Atualmente na DECO, utilizamos a definição que divide Portugal em cinco zonas, de acordo com a probabilidade de ocorrer um sismo. A estas correspondem 3 tarifas diferentes. À zona sísmica de risco agravado (zona A) corresponde um nível de preços superior na habitação. Segue-se a zona de risco intermédio (zona B) com os preços um pouco mais baixos e as zonas menos arriscadas (zonas C,D e E) com uma tarifa ainda mais barata. Existe algum outro critério que deva ser utilizado?

A definição de zonas é muito importante e as mesmas estão definidas na regulamentação atualmente em vigor. Mas consideramos também muito importante a introdução de um outro fator, a importância do edifício. Na regulamentação atual esse factor é calculado através de um coeficiente de importância. Deverá ser, pois, com base nesta matriz que as tarifas devem ser definidas. 

Por exemplo, um edifício situado em Lisboa com dois pisos, não pode ter a mesma importância que um edifício com 20 pisos, daí a necessidade de os distinguir e de os mesmos terem tarifas diferenciadas. De igual modo, um edifício de 2 pisos situado em Lisboa não pode ter a mesma tarifa que um edifício semelhante situado no Porto.

Perceba um pouco melhor do que estamos a falar e fique a conhecer a sua zona de risco, utilizando o nosso simulador