Caso 

Cada vez que se compra uma casa, em principio, esta é vendida livre de ónus ou encargos, mas será que esta garantia o salvaguarda de compromissos assumidos pelo anterior proprietário ao condomínio, nomeadamente com obras?

A resposta é não. Os compromissos assumidos pelo anterior proprietário, já aprovados em assembleia, não são contemplados aquando da venda de uma habitação, o que faz com que, o comprador possa ser induzido em erro ou mesmo enganado. Confira a situação que nos chegou:

Depois de muito procurar, Joaquim Xavier, nosso subscritor da zona do Porto, finalmente encontrou a sua casa de sonho. Negociou, chegou a acordo, realizou a escritura e mudou-se para a nova habitação.

Passado um mês, é convocado para uma reunião de condomínio, onde lhe é comunicado que foram aprovadas, em assembleias anteriores e com as respetivas maiorias, obras de manutenção do edifício, distribuídos os respetivos montantes das despesas pelos moradores e que a ele lhe cabe pagar a “módica” quantia de 50.000€.

Para além da surpresa de que o edifício iria entrar em obras brevemente e de que tudo tinha sido aprovado e aceite, Joaquim vê-se, agora, a braços com uma obrigação de pagamento elevadíssima e com a qual não contava.

Tendo em conta que o apartamento custou 150.000€ e que brevemente irá ter uma dívida de 50.000€ ao condomínio, o nosso subscritor pergunta-nos, desesperado, como pode resolver esta situação, responsabilizando o anterior proprietário que, no seu entender, agiu deliberadamente, aprovando uma decisão e encargo que sabia não lhe caberia a si honrar, omitindo por isso, essa informação aquando da venda do imóvel. Esta situação parece-lhe, pois, inaceitável e incomportável.

Resposta

Pode não parecer mas esta é uma situação mais frequente do que se pensa. Por essa razão, mesmo que o comprador pretenda concretizar um “negócio da china”, antes de o fazer deve pedir à imobiliária que o acompanha ou contactar o próprio administrador do condomínio e confirmar se existem ou há previsão de existirem num curto/médio prazo alguns encargos de que não tenha conhecimento ou se foram já aprovadas deliberações nesse sentido.

Para tal, terá de solicitar antes da escritura, o livro de atas da assembleia de condóminos. Já munido do documento deve procurar referências a obras de manutenção ou inovação no edifício.

Aí sim, depois de bem informado, pode tomar uma decisão em consciência, ponderando todos os fatores e vendo se afinal sempre lhe compensa fazer o tal “negócio da china”.

Pois, a bem da verdade, mesmo que o novo proprietário não concorde com as obras e estas tenham sido deliberadas pelo anterior proprietário, uma vez aprovadas em assembleia, este fica, em princípio, obrigado ao seu pagamento.

Para casos semelhantes ao relatado, assim tem sido o entendimento dos tribunais. As decisões têm salientado que desde que não exista qualquer acordo em contrário entre o vendedor e o comprador, o novo proprietário será responsável pelo pagamento das obras, isto porque se considera que a obrigação de pagamento deve ser transmitida ao novo proprietário (é o que se designa por obrigação propter rem). Este entendimento baseia-se no facto de ser o novo proprietário quem irá tirar proveito da casa. É por esta razão que ressalvamos a importância de consultar a administração de condomínio com antecedência.

Este conselho é igualmente válido para as dívidas ao condomínio. Também nestes casos, é desejável que se confirme sempre, através do contacto com a administração ou da consulta da certidão de registo predial do imóvel, se existem dívidas do anterior proprietário.

Neste sentido, a DECO propôs na Assembleia da República que a transmissão de imóveis deveria obrigar a uma declaração prévia do administrador sobre a existência (ou não) de dívidas ao condomínio e ao respetivo pagamento antes da venda, no caso de estas existirem. Esta declaração de não dívida iria salvaguardar o novo proprietário assim como o próprio condomínio que tinha ali uma hipótese de reaver o montante em falta. Saiba mais sobre esta nossa reivindicação lendo o artigo “Dívidas ao condomínio? Não, obrigado!”.

Concluindo e voltando à questão que nos foi colocada, podemos afirmar que, neste momento e já com a casa comprada, o nosso subscritor poderá apenas tomar uma medida: recorrer aos tribunais para proteger os seus legítimos interesses. Ou seja, tendo em conta que considera que o vendedor teve a intenção clara de o enganar, omitindo informação, deve pedir, o quanto antes, a redução do valor de aquisição do imóvel ou a anulação do contrato de compra e venda do mesmo.